quinta-feira, maio 03, 2007

196.

Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos. O sentirmo-nos é então um caminho deserto a escurecer, triste de juncos ao pé de um rio sem barcos, negrejando claramente entre margens afastadas.
Não sei se estes sentimentos são uma loucura lenta do desconsolo, se são reminiscências de qualquer outro mundo em que houvessémos estado - reminiscências cruzadas e misturadas, como coisas vistas em sonhos, absurdas na figura que vemos mas não na origem se a soubéssemos. Não sei se houve outros seres que fomos, cuja maior completidão sentimos hoje, na sombra que deles somos, de uma maneira incompleta - perdida a solidez e nós figurando-no-la mal nas só duas dimensões da sombra que vivemos.
Sei que estes pensamentos da emoção doem com raiva na alma. A impossibilidade de nos figurar uma coisa a que correspondam, a impossibilidade de encontrar qualquer coisa que substitua aquela a que se abraçam em visão - tudo isto pesa como uma condenação dada não se sabe onde, ou por quem, ou porquê.
Mas o que fica de sentir tudo isto é com certeza um desgosto da vida e de todos os seus gestos, um cansaço antecipado dos desejos e de tdos os seus modos, um desgosto anônimo de todos os sentimentos. Nestas horas de mágoa subtil, torna-se-nos impossível, até em sonho, ser amante, ser herói, ser feliz. Tudo isso está vazio, até na ideia do que é. Tudo isso está dito em outra linguagem, para nós incompreensível, meros sons de sílabas sem forma no entendimento. A vida é oca, o undo é oco. Todos os deuses morrerm de uma morte maior que a morte. Tudo está mais vazio que o vácuo.
É tudo um caos de coisas nenhumas.



Fernando Pessoa,
ele que acaba sendo sempre meu melhor tradutor.

4 Comments:

Blogger t said...

nosso tradutor =]
as vezes quero passar uma coisa, não sei como; coloco uma poesia dele...As vezes até repetidas vezes.
Isso porque ele é assim: "Não sou nada. Nunca serei nada, não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
bom, bom..
=*

2:12 da tarde  
Blogger Gaby Zaupa said...

O cara se garante, ninguém nega. :}
Mas é verdade isso aí. "um caos de coisas nenhumas". É a vida. (Y)

Mas hein, moça, encontro mais inusitado alí no Mombojó, hein? Toda gatona, você. :)
:*

9:39 da tarde  
Blogger Marília Passos said...

eternamente, né?

tem coisas que nunca mudam =]

3:53 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

hey, quer fugir comigo pro Marrocos ? ou pra Índia, vc escolhe....

tem coisas q nos fazem pensar sobre o tempo...vc é mesmo linda de se ver...

1:00 da manhã  

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